Alonso: Como você quer o café?
Fabio: Com gelo e limão, por favor
Alonso: Tá faltando emoção?
Fábio: Completo tédio!
Os raios de sol penetravam intensamente pelas frestas da cortina desgastada, do quarto pequeno e infantil, decorado em diversos tons de verde. O relógio da cozinha marcava 14h e 15 min, mas o tempo era o que menos importava naquele mundo de um único personagem em carne e osso. A falta de vento não constrangia a inocente fantasia que ali se instalava. Cansada dos cálculos do dever de casa, a menina que lá se trancou, não convidou o mundo real para sua brincadeira particular. Em meio a chás imaginários e beijos de novela entre bonecos que habitavam o terceiro andar de sua prateleira no armário, a pequena morena ria da audácia de seus companheiros. Em seu refúgio, ela era gente com voz, gente de idade irrelevante. Os olhos castanhos transbordavam uma alegria palpável. A multicoloração de suas idéias a deixavam tão feliz, que a satisfação não cabia no corpo miúdo.
Impossível não recordar neste domingo, aquele que herdei muito mais que os aspectos físicos. Ele foi, e sempre será para mim, a eterna criança sorridente, que fazia muito mais pelo próximo que por si mesmo.
Por vezes, fui a personagem desleixada e natural que meu pai gostava de retratar nas fotografias, seu orgulho, a menina sonsa que sorria sem inibição, para aquele que não cabia a suposta timidez. Hoje, sou eu quem admira a imagem do ser bem afeiçoado e de ego altivo, gravada por tempo indeterminado nas folhas plásticas das fotos.
Lembro-me do último dia dos pais que passamos juntos, um período muito próximo do último adeus. Sei que a saudade irá perdurar. Que bom, as pessoas duram, enquanto duram as lembranças. Neste domingo o ofereço flores. Flores para aquele que não está mais presente, flores de presente para aquele que homenageio aqui, hoje.
Eu e a Maui nos “reconhecemos” na esquina de um cruzamento, em um rico bairro de Petrolina. Da primeira vez em que a vi, eu passava de carro. De longe, apenas admirei a pequena bola de pelo, tão cinza quanto aquele dia nublado. Por ironia do destino ou da mandinga do cruzamento, o automóvel quebrou logo adiante. Voltei andando com uma amiga, e lá estava a felina, com ares de duquesa, olhando-me com uns olhos que mal podiam se abrir. Eu, em mais um dos meus dias maternos, fiquei comovida com aquela promessa de ser quieto e manhoso, mal sabia da armadilha do acaso. Desse dia em diante, nos adotamos e dividimos uma quitinete pequena demais para nós duas; pelo menos é o que penso, toda vez em que a Maui deita folgada no centro de minha cama, sem vontade alguma de liberar o espaço.