Na manhã do dia 29 de junho
eu acordei com um atípico: “...e aonde compro milho?”. A pergunta foi feita em
alto e bom tom, por isso o meu despertar assustado. Ao verificar qual o motivo
daquela zuada, encontro minha família reunida para o café, decidindo os
preparativos para o festim de São Pedro. Minha mãe, que não mora aqui em Petrolina, chegou durante a madrugada e já encabeçava os afazeres. Àquela hora, a fogueira já havia sido
comprada. Aos 91 anos, minha avó Tereza reluzia de felicidade por
mais uma vez ter os filhos em casa.
Tradição, essa é a palavra
que norteia a minha família quando chega o final do mês junino. Recordo que desde menina era essa mesma euforia e agitação. Eu sempre assisti dona Tereza celebrar
o 30 de junho, dia de São Pedro, também protetor das viúvas. Todo ano, o
genro João doa uma fogueira à matriarca, para que ela possa celebrar. Como deu
pra perceber, a história é mais velha do que a minha existência, pois nem
cheguei a conhecer o meu avô, apesar de estar presente nas comemorações em sua
homenagem.
A fogueira foi acesa no
início da noite. Desde então, apesar do seu corpo frágil, minha avó esteve preparada
para receber os seus convidados. O churrasco já queimava na brasa, o forró pé
de serra tomava conta do ambiente, e a mesa estava repleta de delícias do
período, como macaxeira, bolo de milho, canjica, amendoim e licores variados. Assim
como eu fiz um dia, as crianças, ao redor das labaredas, estouravam os seus
fogos.
Não sei por que São Pedro é
o protetor das viúvas. Por curiosidade, interroguei algumas tias sobre o
motivo. Elas também não sabiam a resposta. Achei o fato engraçado, pois, apesar
de não saber ao certo o pretexto, encaramos o momento como tradição: o pai da
minha avó acendia uma fogueira pela sua finada esposa, e dona Tereza continua
acendendo essa chama pelo meu avô Adelmar. Ao fim, preferi não ir a fundo em
minhas indagações, para que o festejo siga exatamente do mesmo jeito: mágico e
sem respostas. Para os familiares, a essência do festim é reunir os parentes e
amigos. Eu gosto mesmo é do tom alaranjado das ruas, iluminadas pelas
fogueiras; gosto da correria das crianças e a fumaça do estouro dos fogos;
gosto das conversas paralelas, gosto dos sabores; gosto, principalmente, da
razão para comemorar. O São Pedro pode ser menos colorido que o São João, porém,
para nós, é mais acalentador.
Durante a festa, como
apreciadora participante, eu “pescava” algumas conversas ao meu redor. Foi assim que ouvi uma das minhas tias comentar, que no ano seguinte não
haveria comemoração, por conta da bagunça na casa. Sem compreender aquela justificativa
esdruxula, prontamente interroguei a maior interessada no evento, se ela deixaria
que o ritual acabasse. Minha avó, apesar da dificuldade na fala, fruto de um
problema na garganta, de forma enfática respondeu: “Só vai acabar quando eu
morrer!”. Do outro canto, outra tia fez questão de complementar: “Nem quando
ela morrer, pois aí vamos fazer a fogueira em sua homenagem”. Cá com os meus
botões, eu apreciei aquela resposta. No futuro vamos reinventar a roda para
manter acesa a tradição.
Em um tom sereno e
apreciando as labaredas, minha avó continuou o seu embalo na cadeira de balanço.
Na sala, de maneira destoante do resto da decoração, o retrato pintado do meu
avô mirava os inúmeros convidados, que disputavam o espaço. Ao lembrar o velho
Adelmar, e levando em consideração quase três décadas desde o seu falecimento, perguntei
a dona Tereza, se naquele dia ela ainda recordava o meu avô. A velhinha olhou
para a aliança, ainda presa no dedo enrugado, voltou a encarar a fogueira, e
respondeu de forma engasgada: “Eu ainda sinto falta dele”. Depois de certo
tempo ao seu lado, em silêncio, por respeito às suas memórias, cheguei à
conclusão que além de alegria, o ambiente estava repleto de saudade.
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