1968. Era noite na movimentada Rua da Apolo, na cidade de Juazeiro. Rosy Luciane de Souza Costa, em seu vestido de caça branco, olhava admirada as mudanças feitas no então reformado Cine- teatro São Francisco. O espaço exalava elegância com seu carpete rubro, fachada espelhada e funcionários muito bem apresentáveis. Os habitantes da cidade, em seus melhores trajes, lotavam os 900 lugares disponíveis, e aguardavam ansiosos o instante em que as cortinas de veludo vermelho fossem abertas. Todos queriam apreciar o filme Doutor Jivago, um clássico indicado ao Oscar.
Não era a primeira vez que a população local se encatava com o ambiente. O Cine- teatro São Francisco foi inaugurado em 1937, na cidade de Juazeiro. Habitual espaço de encontro, o cinema foi por um longo período um dos principais centros de sociabilidade no Vale do São Francisco. Nele, jovens marcavam encontros e famílias se divertiam com os filmes, peças e espetáculos musicais. Pessoa simples, que nunca ouvira falar em uma língua estrangeira, se interessava por estudá-la, citando inclusive algumas frases de efeito, como “Thank you”. A moda também foi influenciada e, as roupas dos atores e atrizes de Hollywood bastante reproduzidas pelos jovens.
Semanalmente, antes dos filmes, eram exibidos cinejornais com o resumo dos acontecimentos ocorridos no Brasil e no mundo, dentre eles os jogos de futebol. “As pessoas também iam ao cinema para se informar. Todos queriam ver os jogos do Flamengo. O cinema era um bem cultural e orientava as pessoas”, afirma Rivadávio Espínola Ramos, ex-gestor do estabelecimento.
Em 1968 o cinema passou por uma reforma que viabilizou grande conforto aos seus frequentadores. A projeção dos filmes passou a ser feita em uma tela panorâmica, onde em qualquer lugar o expectador podia ter uma boa percepção do material apresentado. Os assentos eram enumerados e, por um preço um pouco mais caro, o cliente podia assistir aos filmes na parte superior do edifício, onde as cadeiras eram mais confortáveis. Ao lado da sala de exibição havia uma área aberta com música funcional ambiente, destinada a diversão e àqueles que aguardavam as próximas sessões. Uma novidade que facilitou a saída do público foi a construção de portas laterais que davam diretamente na Rua da Apolo.
A maioria dos cinemas da época era também palco de espetáculos musicais, humorísticos e teatrais. Os principais artistas do Brasil rodavam o país se apresentando nestes espaços. Grandes nomes passaram pelo palco do Cine- teatro São Francisco. O maior fluxo de apresentações ocorreu entre 1950 e 1970. Alicio Figueiredo Gil Braz, empresário e apresentador, era um dos responsáveis por trazer os profissionais para abrilhantar as noites da cidade. Dentre estes artistas, pode-se citar: Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Ângela Maria (foto), Vicente Celestino, Orlando Dias, Waldick Soriano, Bartô Galeno, Luís Gonzaga, Sanfoneiro Abadias, Vanderlei Cardoso, Jerry Adriane, Reginaldo Rossi, Carlos Alberto, Cauby Peixoto, Trio Nordestino e algumas vedetes do Teatro Rebolado, a exemplo de Enesita Barroso.
Rosy Costa recorda a agitação local durante show de Roberto Carlos, que no auge da Jovem Guarda foi trazido à cidade. Naquele dia, o cantor foi escoltado em um calhambeque. A fila para prestigiar o evento dava voltas no quarteirão e foi necessária a presença da polícia para que a ordem fosse mantida. Os jovens, eufóricos, quase quebraram as cadeiras diante do embalo do espetáculo.
Com o surgimento e ascensão da televisão, seguida pelo vídeo cassete, o cinema aos poucos foi perdendo seu fiel público. O Cine São Francisco, apesar das tentativas de modernização, não resistiu à mudança dos hábitos sociais. Na década de 1980, Joca de Souza Oliveira arrendou o espaço à empresa baiana, Oriente Filmes. O grupo, no entanto, não conseguiu manter um fluxo frequente de pessoas e logo se transferiu para a Galeria Água Center, onde também não obteve sucesso.
As exibições cinematográficas aos poucos foram se moldando a uma nova lógica de mercado, que incluía locais de grande movimentação, onde as pessoas além de assistir aos filmes, pudessem ter outras opções de lazer. Por este motivo, na atualidade, grande parte dos cinemas está localizada estrategicamente em shoppings. A mesma Oriente Filmes que não fez sucesso em Juazeiro, mantém salas no River Shopping, em Petrolina.
No edifício do antigo cinema, funciona hoje as Lojas Maia. Recentemente, duas máquinas de projeção foram doadas, uma à Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), onde será recuperada e utilizada no laboratório de linguagens, do curso de Ciências Sociais, e outra ao Museu Regional do São Francisco, no qual ficará em exposição para o público. O equipamento, de marca americana Westrex, data mais de 50 anos. Como os filmes eram divididos em rolos, chegando muitas vezes a 15 deles, eram necessários dois equipamentos, manuseados por um operador atento, responsável por trocar um e outro, a fim de não haver descontinuidade durante as exibições cinematográficas.
Para Rivadávio, a importância da doação do maquinário está no fato deste “contar” a história do cinema na região. “É bom guardar uma coisa que marcou uma época tão forte. O cinema dos áureos tempos não é mais o de hoje. É importante guardar essas informações. Tomamos atitudes também baseado no que passou, muitas vezes copiando e melhorando. Não se pode ter educação sem história”, afirma o ex-gestor.
Por Ilana Copque
Fotos: Ilana Copque e Arquivo Maria Franca Pires
Não era a primeira vez que a população local se encatava com o ambiente. O Cine- teatro São Francisco foi inaugurado em 1937, na cidade de Juazeiro. Habitual espaço de encontro, o cinema foi por um longo período um dos principais centros de sociabilidade no Vale do São Francisco. Nele, jovens marcavam encontros e famílias se divertiam com os filmes, peças e espetáculos musicais. Pessoa simples, que nunca ouvira falar em uma língua estrangeira, se interessava por estudá-la, citando inclusive algumas frases de efeito, como “Thank you”. A moda também foi influenciada e, as roupas dos atores e atrizes de Hollywood bastante reproduzidas pelos jovens.
Semanalmente, antes dos filmes, eram exibidos cinejornais com o resumo dos acontecimentos ocorridos no Brasil e no mundo, dentre eles os jogos de futebol. “As pessoas também iam ao cinema para se informar. Todos queriam ver os jogos do Flamengo. O cinema era um bem cultural e orientava as pessoas”, afirma Rivadávio Espínola Ramos, ex-gestor do estabelecimento.
Em 1968 o cinema passou por uma reforma que viabilizou grande conforto aos seus frequentadores. A projeção dos filmes passou a ser feita em uma tela panorâmica, onde em qualquer lugar o expectador podia ter uma boa percepção do material apresentado. Os assentos eram enumerados e, por um preço um pouco mais caro, o cliente podia assistir aos filmes na parte superior do edifício, onde as cadeiras eram mais confortáveis. Ao lado da sala de exibição havia uma área aberta com música funcional ambiente, destinada a diversão e àqueles que aguardavam as próximas sessões. Uma novidade que facilitou a saída do público foi a construção de portas laterais que davam diretamente na Rua da Apolo.
A maioria dos cinemas da época era também palco de espetáculos musicais, humorísticos e teatrais. Os principais artistas do Brasil rodavam o país se apresentando nestes espaços. Grandes nomes passaram pelo palco do Cine- teatro São Francisco. O maior fluxo de apresentações ocorreu entre 1950 e 1970. Alicio Figueiredo Gil Braz, empresário e apresentador, era um dos responsáveis por trazer os profissionais para abrilhantar as noites da cidade. Dentre estes artistas, pode-se citar: Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Ângela Maria (foto), Vicente Celestino, Orlando Dias, Waldick Soriano, Bartô Galeno, Luís Gonzaga, Sanfoneiro Abadias, Vanderlei Cardoso, Jerry Adriane, Reginaldo Rossi, Carlos Alberto, Cauby Peixoto, Trio Nordestino e algumas vedetes do Teatro Rebolado, a exemplo de Enesita Barroso.
Rosy Costa recorda a agitação local durante show de Roberto Carlos, que no auge da Jovem Guarda foi trazido à cidade. Naquele dia, o cantor foi escoltado em um calhambeque. A fila para prestigiar o evento dava voltas no quarteirão e foi necessária a presença da polícia para que a ordem fosse mantida. Os jovens, eufóricos, quase quebraram as cadeiras diante do embalo do espetáculo.
Com o surgimento e ascensão da televisão, seguida pelo vídeo cassete, o cinema aos poucos foi perdendo seu fiel público. O Cine São Francisco, apesar das tentativas de modernização, não resistiu à mudança dos hábitos sociais. Na década de 1980, Joca de Souza Oliveira arrendou o espaço à empresa baiana, Oriente Filmes. O grupo, no entanto, não conseguiu manter um fluxo frequente de pessoas e logo se transferiu para a Galeria Água Center, onde também não obteve sucesso.
As exibições cinematográficas aos poucos foram se moldando a uma nova lógica de mercado, que incluía locais de grande movimentação, onde as pessoas além de assistir aos filmes, pudessem ter outras opções de lazer. Por este motivo, na atualidade, grande parte dos cinemas está localizada estrategicamente em shoppings. A mesma Oriente Filmes que não fez sucesso em Juazeiro, mantém salas no River Shopping, em Petrolina.
No edifício do antigo cinema, funciona hoje as Lojas Maia. Recentemente, duas máquinas de projeção foram doadas, uma à Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), onde será recuperada e utilizada no laboratório de linguagens, do curso de Ciências Sociais, e outra ao Museu Regional do São Francisco, no qual ficará em exposição para o público. O equipamento, de marca americana Westrex, data mais de 50 anos. Como os filmes eram divididos em rolos, chegando muitas vezes a 15 deles, eram necessários dois equipamentos, manuseados por um operador atento, responsável por trocar um e outro, a fim de não haver descontinuidade durante as exibições cinematográficas.
Para Rivadávio, a importância da doação do maquinário está no fato deste “contar” a história do cinema na região. “É bom guardar uma coisa que marcou uma época tão forte. O cinema dos áureos tempos não é mais o de hoje. É importante guardar essas informações. Tomamos atitudes também baseado no que passou, muitas vezes copiando e melhorando. Não se pode ter educação sem história”, afirma o ex-gestor.
Por Ilana Copque
Fotos: Ilana Copque e Arquivo Maria Franca Pires
6 comentários:
Oi, Ilana sumida!
Essa foi sua reportagem de Andréa, cara ficou super legal. Rendeu essa temática, se bobiar ainda vira tema de seu TCC.
Besitos!!!
Meg Macedo.
Não, Meg.. tcc sobre o cine são Francisco ñ.. chega ahuahuhaua
Já tenho algo em mente, q inclusive vai me dar um trabalho danado.. mas vale a pesquisa...
No mais, essa foi uma reportagem que gostei muito de fazer. É fácil correr atrás de um assunto que a gente sente prazer em relatar. O Cine- teatro São Francisco representou a fase de glamour de Juazeiro, uma época mais voltada para o desenvolvimento da cultura, como vc bem sabe, já que desenvolvemos juntas um trabalho sobre esse cinema, em história da comunicação. Antes, eu achava que a história do lugar ia morrer junto com aqueles que viveram o período. Quase não há relatos escritos. Fiquei realmente feliz pelo equipamento ter sido doado, relembrando as pessoas sua importância.
...traigo
sangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazon
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
TE SIGO TU BLOG
ONDE OS PEIXES VOAM
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesia ...
AFECTUOSAMENTE
ILANA
jose
ramon...
Você tem segurança para redigir reportagens, além de adequação de tom e comedimento. Se treinar um pouco mais alguns técnicas do jornalismo literário, vai produzir livros-reportagens dignos de serem colocados entre os melhores. Congratulações.
PS: Sugiro uma experiência: equilibrar informação pura com comentários interpretativos (que não são juízo de valor no sentido mais estrito)e exemplificações de casos, além de explorar mais o tom narrativo.
PS2: Conhece "O Segredo de Joe Gould"?. Acho que você deveria lê-lo, assim como a alguns trabalhos de Gay Talese e Bruce Chatwin.
Oi Márcio, obrigada pelas dicas. Essa foi minha primeira reportagem, espero realmente fazer melhor nas próximas. Com certeza irei procurar os trabalhos indicados, e me atentarei para as suas sugestões. Quanto ao futuro.. bem, espero que vc esteja certo hauhauahaua
abrs e volte sempre
Jose, bem vindo =D
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