20 de dez. de 2010
Sempre +
12 de dez. de 2010
Lhufas
Ilana Copque
25 de nov. de 2010
Psico pseudo
19 de nov. de 2010
camisa de força
24 de out. de 2010
Bicicletas, bolos e outras alegrias
Vá Didi, vá comprar leite e açúcar
No mercadinho que é mais perto
Quer bolo de fubá, mas não ajuda
Vá de bicicleta, de bicicleta (2x)
Simpatia contra dispersão
Rejeição, desilusão
Sete ervas dos bons caminhos
Arruda ajuda
Quem disse que faniquito não cura?
Quem disse que açúcar e afeto não podem curar?
Vá Didi, vá comprar leite e açúcar
No mercadinho que é mais perto
Quer bolo de fubá, mas não ajuda
Vá de bicicleta, de bicicleta (2x)
Vó dizia que era perfeição, tradição e evolução
Era o bolo que todos gostavam do Flamengo ao Corinthians
E a molecada espalhada voltava
Tinha o dom de agregar quem brigava
Traz amor em três dias, ou o seu dinheiro de volta
Simpatia contra dispersão
Rejeição, desilusão
Sete ervas dos bons caminhos
Arruda ajuda
21 de out. de 2010
Toneladas de algo
Eu estou cansada, sabe?? Sabe... pelo tédio estou quase abocanhando uma cebola acompanhada por um bom conhaque- às vezes é preciso ter um desmaio, uma boa perda repentina da consciência. Ontem comi corações no espeto, estavam mal passados, sentir o gosto do sangue demorou em me reanimar, mas as galinhas cantando no céu da minha boca quase me levaram a dançar um tango.Ultimamente vomito toneladas de algo, é provável que a culpa seja das malditas mentiras em cápsula indicadas pelo médico. Tenho evitado falar sobre nós (eu), faz parte desse mesmo tratamento, por isso tapo a boca com pedras e farinha para que as palavras não escapem pelas brechas, assim elas retornam à bexiga. No celular há lembretes para que eu recorde que é preciso respirar, conto 1, 2, 3, perco-me no 4 e quando vejo já me engasguei com a fumaça. “Respirar, pular/ pular, respirar, não esquecer de movimentar esse corpo robótico”. Com essa maldita gripe, sexualmente transmitida, fica ainda mais difícil manter o equilíbrio dessa casca que a todo instante funga. Nessa terra seca, molhada apenas entre as pernas, só me restam os devaneios. Ontem eu sonhei que abandonava tudo e casava com a solidão, ela cantava em meu ouvido: rebolem, micos, rebolem pagando mico. Foi amor ao primeiro sonho, quase arrumei a mala e fui fotografar o Azerbaijão.
Ilana Copque
Moro no segundo andar, mas nunca encontrei você na escada
Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão.
No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um Caminho. Esse, simples mas proibido agora: o de tocar no outro. Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor. O caminho de encontrar num outro humano o mais humilde de nós. Então direi da boca luminosa de ilusão: te amo tanto. E te beijarei fundo molhado, em puro engano de instantes enganosos transitórios - que importa?(Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio - viria? virá? - e minto não, já não preciso.) Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço.
Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã.
(Caio Fernando Abreu - Crônica publicada no “Estadão” Caderno 2 de 29/07/87)
20 de out. de 2010
Sobre um dia quente
“38 graus? 40 graus?” Naquele dia insuportavelmente acalorado, aquela figura, como várias outras figuras naquela hora, naquela cidade, perguntava-se a quanto ia a temperatura. Deitada sobre a cama, com um vestido salpicado por gotículas de suor e suspenso para além das coxas, a morena tentava se concentrar na leitura do jornaleco da igreja. Da janela do seu quarto de paredes bege provinha apenas claridade, nada de vento, por isso a cortina permanecia fechada a fim de bloquear os raios solares. O ambiente ganhava a tonalidade alaranjada do tecido que cobria a enorme vidraça, os objetos transpiravam diante do tom avermelhado. Como era domingo, todos da casa haviam saído para aproveitar o dia. Naquele cubículo ouvia-se apenas o ventilador, o jornal sendo manuseado e as moscas que disputavam a carne suada ali estendida. A mão da moça dançava pelas pernas, braços e busto, as unhas prensavam água salgada e epiderme na tentativa de afastar os insetos indesejados. A brisa que circulava no quarto era quente e seca, nem o balde com água, ao lado da cama, amenizava a sensação de abafamento. Em menos de dois minutos, sempre com o espécime de livreto em mãos, a figura havia trocado de posição seis, talvez sete vezes. O silêncio preenchia a casa causando certo desconforto naquela que já estava desconfortável. Cansada de tentar manter a concentração na leitura sobre o papa, o bispo, o padre ou qualquer outra personalidade católica, ela largou o jornal no criado mudo, por cima da imagem de um santo qualquer que sua mãe insistia em deixar no seu quarto. Em um ato de impaciência a garota arrancou a vestimenta azul de corte recatado. Apenas de calcinha, deitou de cara para o ventilador e se rendeu ao calor, a secura, ao sufoco de um dia mais quente que o inferno.
Ilana Copque
15 de out. de 2010
Isso, aquilo e outras coisas
vivo me perdendo de vista.
Preciso de paciência porque sou vários caminhos,
inclusive o fatal beco sem saída."
Clarice Lispector
9 de out. de 2010
Ando...
Ando entre o agonizado e o agonizante
Ando dando vexame
Prolifero essa minha agonia através dos poros da pele salpicada pelo sol
Ando...
Ando com as pernas,
Mas quando me interessa,
Vasculho esse imaginário andando pelo teu corpo com as mãos
Ando...
Ando pra baixo
Ando de carro, carroça e trem
Ando me apaixonando 3x ao dia
Ando sorrindo/ mentindo
Ando...
Delirando!
Ilana Copque
6 de out. de 2010
Loucura
Ernest Becker, A negação da morte
5 de out. de 2010
Eu
Eu queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim
Quando acontece um grande amor
Assim como você e eu
O tempo passa por nós dois
Não lembro o que aconteceu
Queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim
Mas nem por isso eu vou ficar
A questionar os erros meus
Você precisa procurar
Achar o que você perdeu
Queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim
2 de out. de 2010
Não me interessam...
1 de out. de 2010
30 de set. de 2010
Teu cheiro agorinha veio e me acertou em cheio
E me completou o vazio no peito
E não se aguentava mais de te querer
De novo, aqui e assim pra sempre
Uma onda assim me carrega pra onde quer
Quisera eu fosse pra junto de ti
Uma onda assim me carrega pra onde quer
Quisera eu fosse pra junto de ti
Como é que alguém consegue estar de todo alheio
Ao tanto que correndo perco o freio
Feito um vagabundo minha vida é só te ver
Onde antes não estavas tão presente
Uma onda assim me carrega pra onde quer
Quisera eu fosse pra junto de ti
Uma onda assim me carrega pra onde quer
Quisera eu fosse pra junto de ti
Quando vi que ser feliz era não querer te ter pra sempre
Eu senti ter naquele instante que já era eterno o suficiente
Quando vi que ser feliz era não querer te ter pra sempre
E senti ter naquele instante que já era eterno...
Uma onda assim me carrega pra onde quer
Quisera eu fosse pra junto de ti
Uma onda assim me carrega pra onde quer
Quisera eu fosse pra junto de ti
26 de set. de 2010
Indo
Eu te perdi. Perdi-te na passarela de um dia nublado, em meio a uma multidão de transeuntes. Os carros passavam logo abaixo, com luzes que seguiam em direção ao infinito. Como zumbis as pessoas corriam para suas casas, fugidas de suas rotinas estudantis, vagabundas ou trabalhistas. Tentei contar os passos para não entrar em transe, tentei te dar as mãos. Em sua busca apalpei o ar denso daquela noite úmida, cortei pessoas, cortei-me, ultrapassei-me... alcancei o meu limite sem me dar conta. O corpo suava, os olhos suavam. Eu sentia a minha pulsação enquanto notava que a correnteza de gente prosseguia naquele ritmo frenético, como se fossemos veias interligadas. Eu te perdi mas não conseguia parar. Vi tantos rostos que, em minha mente, arruinei o que seria a sua composição. Senti vazio, vertigem e frio. Não te senti. Tremula uma das mãos procurou o apoio da barra metálica da passarela, era melhor ter o apoio de algo concreto. A mão gostou de experimentar a aspereza do metal de tinta descascada. Foi namorando a dor que te avistei mais à frente, caminhando tranqüilo, sem olhar para trás. Pensei em te chamar e acelerar o passo, mas quando os lábios se abriram para gritar o seu nome, ele morreu ainda no céu da boca, sufocado por um beijo também perdido. As pernas cederam a tentação e pararam, elas igualmente sentiram o abalo da ressurreição. O mar de pessoas se tornou calmo até cessar por completo. Mais à frente você seguia, ou eu achava que assim fosse, já não podia ver, os olhos estavam fechados tentando se afogar naquilo que não fosse despedida.
Ilana Copque
15 de set. de 2010
Milágrimas
mude como o modelo
vá ao cinema, dê um sorriso, ainda que amarelo
esqueça seu cotovelo
se amargo for já ter sido, troque já esse vestido
troque o padrão do tecido
saia do sério, deixe os critérios, siga todos os sentidos
faça fazer sentido
a cada mil lágrimas sai um milagre
caso de tristeza, vire a mesa, coma só a sobremesa
coma somente a cereja
jogue para cima, faça cena, cante as rimas de um poema
sofra apenas, viva apenas
sendo só fissura, ou loucura, quem sabe casando cura
ninguém sabe o que procura
faça uma novena, reze um terço, caia fora do contexto
invente seu endereço
a cada milágrimas sai um milagre
mas se, apesar de banal,
chorar for inevitável
sinta o gosto do sal, do sal, do sal
sinta o gosto do sal
gota a gota, uma a uma
duas, três, dez, cem, mil lágrimas
sinta o milagre
a cada mil lágrimas sai um milagre
a cada milagrimas.
Alice Ruiz
7 de set. de 2010
Quase certeza
"Então, de repente, sem pretender, respirou fundo e pensou que era bom viver. Mesmo que as partidas doessem, e que a cada dia fosse necessário adotar uma nova maneira de agir e de pensar, descobrindo-a inútil no dia seguinte - mesmo assim era bom viver. Não era fácil, nem agradável. Mas ainda assim era bom. Tinha quase certeza."
-Caio Fernando A.
31 de ago. de 2010
Pudera
Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. Não estou aqui pra que gostem de mim, estou aqui pra aprender a gostar de cada detalhe que tenho, e pra seduzir somente o que me acrescenta.
Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que me deixa exausta.
Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo.
Sei chorar toda encolhida abraçando as pernas.
Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar...
Eu acredito é em suspiros, mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente.
Acredito em coisas sinceramente compartilhadas.
Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo.
Eu acredito em profundidades.
E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos.
São eles que me dão a dimensão do que sou."
Maria de Queiroz
30 de ago. de 2010
Adeus você
25 de ago. de 2010
Eu entro nesse barco
Caio Fernando Abreu
24 de ago. de 2010
Ao som do silêncio
21 de ago. de 2010
Felicidade Realista
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito. É o que dá ver tanta televisão.
Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.
Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.
Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente.
A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça de que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade..."
Mário Quintana
16 de ago. de 2010
O último girassol
Com um sorriso que surge rasgando a alma, encaro pela última vez a viçosa flor amarela. Que ela enfeite o tumulo coletivo com suas iguais, que morreram de esperança. Ao largar o girassol, em câmera lenta ele se une a terra onde as fantasias já não brotam, porém, talvez o vento ainda leve a sua semente a outro planeta.
15 de ago. de 2010
Berço
O que te incomoda me engorda
Se eu engordo te incomoda
O incomodo te deixa aborrecido
Talvez seja problema de berço
8 de ago. de 2010
22 de jul. de 2010
Do mesmo jeito
As coisas ainda estavam do mesmo jeito que se lembrava: o forro na televisão, o carpete no meio da sala, o sofá que serviu tantas vezes de cenário para suas fantasias a distância. Tudo e quase nada mudara. Se respirasse fundo era possível sentir o cheiro tão peculiar daquele ambiente que fora sua segunda casa. Por instantes, vislumbrou a segurança que a rodeara quando estava nos braços dele. Sentia falta de não sentir medo do amanhã. O aconchego da constancia lhe dava boas noites de sono, apesar de ser outro o sentido que procurava para sua vida. Olhando o passado ainda tão recente, chorou pelos planos desfeitos, pela falta que ele fazia. Chorou por não poder ter tudo, chorou porque simplesmente queria chorar.
20 de jul. de 2010
16 de jul. de 2010
Coração (en)cantado
Ouça, ela ainda canta. Não é o vento. É o amor soprando as cinzas. É que agora ela anda solta, tropeça pra sentir o chão mais de perto e ter a certeza de que dali, não passa. Por que entre uma dor e outra é sempre bom guardar um pouco de si atrás do sim e dos sonhos à dois. A arte de esquecer nem sempre sobrevive no rir das próprias dores, as vezes, beira - se à hipocrisia. Sobrevive no acordar das vontades, no abraçar dos detalhes, no esperar e calar das horas.
Ela não perdeu o ritmo. Amanhece com o coração mais torto do que nunca mas, reinventado. Vive enquanto compõe milagres. Hoje, alguns sussurros dormem lá fora. Os mais bonitos, cantam dentro.
Priscila Rôde)
Mar - íntimo http://priscilarode.blogspot.com
12 de jul. de 2010
Longe da perfeição
Fulana era a bem feita de corpo.
Beltrana era a linda.
Cicrana o fez imensamente feliz enquanto durou.
Maria ficou até simpática.
Mick, coitada, esqueceu o retorno e dormiu no banco da praça;
Escutou os murmúrios, enquanto abraçava a indiferença;
Deu uma de cega, pois assim ditava a circunstância.
Sentada ao seu lado, a perfeição a convencia que seus poderes eram ilusórios
Enquanto pensava, Mick observava João...
Observava João...
Observava João...
Ele não merecia seu estoque de falsos milagres.
18 de jun. de 2010
9 de jun. de 2010
Capitães da Areia
Sentados na beira do rio, um grupo de quatro garotos, com idades que deviam variar de oito a 17 anos, esperavam alguém que viria das barcas, pois impacientes olhavam e apontavam para o outro lado da ponte Presidente Dutra. O mais alto do grupo, um moreno, com uma camisa de propaganda política e os pés descalços, ria compulsivamente e debochava de um dos meninos. De longe, não era possível escutar o que tanto divertia o mais velho, pois o som do trio elétrico, que passava naquele instante, abafava qualquer tentativa de averiguação. Porém, um olhar atento notaria o rápido avançar do que ria, em direção ao menor do conjunto, que menos experiente não teve como evitar o pano com tóxico que lhe obstruiu as vias respiratórias.
Os outros dois do grupo se divertiam, enquanto alucinados, os envolvidos na luta se empurravam tentando demonstrar superioridade. O menor, por fim, foi solto. Meio tonto cambaleou e puxou o ar com mais força que o normal. As mãos na garganta denunciavam uma queimação por si desconhecida. Para demonstrar o quão normal era o efeito, todos os outros garotos experimentaram a droga. A sensação de irrealidade parecia os atrair como um alimento para a alma.
Como nos outros dias, os transeuntes que subiam a rampa da orla evitavam passar por perto dos garotos, que pela aparência de crianças de rua, espantavam os evidentemente neuróticos. Os foliões mais entusiasmados preferiam ignorar e passar direto, cantando as músicas de sucesso da banda que tocava naquele instante. O menor do grupo, ainda meio perdido, lavava o rosto na beira do rio. Os outros três dançavam e pulavam ao ritmo do carnaval.
Quando por fim uma das barcas atracou, três garotos maltrapilhos desceram correndo, emborcando na cabeça chapéus feitos de jornal. Um deles, com no máximo nove anos, apontou uma vareta para frente e gritou se sentindo o capitão de uma frota:
-Avante, homens!
Os outros dois nem ligaram para a ordem, mas seguiram na direção indicada, pois era onde estavam, dançando, aqueles que vieram encontrar. Com toques de mãos como cumprimento, os meninos vindos de Petrolina saudaram os companheiros da Bahia.
Para os mais afeiçoados a sair à noite pelas cidades vizinhas, as figuras no antigo cais de Juazeiro não lhe eram estranhas, apesar da distancia que cada um faz questão de manter. Espalhados pelas lanchonetes e bares, os garotos eram conhecidos por revezarem o pedido de alimento e dinheiro. Alguns mais ousados, não se contentavam com uma resposta negativa e passavam, o que parecia horas para os que escutam, poucos minutos rogando por uma moeda. As pessoas fazem cara feia, desistir da comida ou rápido tiram o dinheiro do bolso para se livrar dos meninos. Em algumas mesas, cidadãos mais angustiados jogam a culpa no governo; esse é o remédio para as consciências que se recusam avaliar o problema mais a fundo. Habituados a todo o tipo de reação da comunidade sertaneja, os meninos aprenderam a conviver com a pior de todas elas: serem ignorados.
Após os cumprimentos, os sete dividiram entre si alguns papeis com impressões grotescas, que solicitavam ajuda financeira. Algumas almas compadecidas, certamente os ajudariam naquela “nobre missão”. Os capitães da areia, que não eram os retratados pelo escritor Jorge Amado, foram-se em dupla pela noite, carregando no bolso, além dos pequenos papeis, as duras experiências das ruas. Naquele dia em especial, a artista Ivete Sangalo, que aniversariava, cantaria para os seus conterrâneos. O bolo, infelizmente, os garotos nem sombra iriam ver.