Sentada na florida e antiquada poltrona da sua avó, Ana olhava espantada os móveis que ganhavam ares fantasmagóricos diante do abismo silencioso que se instalou após a saída dos seus parentes. A casa, sempre bastante movimentada, raramente exigia uma minuciosa atenção dos seus visitantes. A garota dificilmente parava na residência, encontrava silêncio ou não passava rápido para o seu próprio quarto. Parada naquela sala, com uma tigela de sopa no colo e o velho gato preto sentado aos pés, Ana sentiu todo o peso existencial de cada objeto deslocado e amontoado, que de uma forma bizarra fazia sentido para os outros habitantes daquela casa. O exagero de quadros era quase medieval. As fotos pintadas olhavam a moça como se pressentissem que ela fosse derramar o liquido âmbar com verduras flutuantes. Talvez fosse exatamente isso, o que o gato, parado a sua frente também esperava, já que a olhava quase com veneração. Ana mal se mexia, ao contrário do seu normal: hiperativa. A queda de uma xícara, em outro cômodo, a tirou do transe. O silêncio, escorregadio, escapou pela janela. O gato correu, a campainha tocou, o ar ficou mais rarefeito e o alivio se fez presente. Esquecendo de todo o resto, Ana foi atender a porta, a tigela caiu do seu colo... Do lado de fora, impacientemente gritavam o seu nome. Do lado de dentro, a garota suspirava em contento, pois a melança, ao menos, não foi sofá, como recriminavam os seus antepassados.
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