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22 de jul. de 2009

A espera na janela



Lá estava eu, mais uma vez, indo com minha roupa cárcere para minha tão adorada escola. Naquela época nada áurea, eu cursava o terceiro ano e vivia o sob o martírio do pré-vestibular. Sofri com as aulas inacabáveis e a pressão de um “momento tão decisivo”. Para falar a verdade, preocupava-me mais eu não estudar ,do que de fato eu estar estudando. A dor na consciência era o que mais ocupava meu tempo.


Meio sonâmbula, ainda estudava o que me era interessante, estratégia para não frustrar [tanto] minha adorada mãe. Sim, eu tinha mente ocupada. Entrava e saia do condomínio em que vivia com um raro bom dia para os vizinhos.


Apesar da correria, sempre notei a velha senhora que as 7:00 da manhã já estava de um lado ao outro fazendo sua caminhada. Ela era uma das poucas pessoas que eu ainda fazia questão de soltar o meu rápido cumprimento. Cega de um olho, dona Dolores continuamente carregava um sorriso no rosto e recitar uma de suas poesias. Eu achava aquilo fantástico, mesmo passando de forma apressada.


Em uma tarde qualquer, voltando de mais uma cansativa aula, percebi que estava sem as chaves de casa. Frustrada, para não dizer puta da vida, acomodei-me em uma das cadeiras do playground a espera de meus familiares. Foi naquele dia, nada promissor, que me deparei, com vestígios de uma possível mentira.


Durante as tardes, a idosa mencionada também fazia suas “peregrinações”. Em meu chá de cadeira que já durava aproximadamente uma hora, ela parou para me fazer companhia. Conversamos sobre coisas corriqueiras. Na verdade, foi um monologo, mas quem se importa? Adorei saber um pouco sobre sua vida de menina, os saraus dos quais participava e seu amor eterno pelo companheiro eterno. Os fragmentos de memória vinham através de músicas, preces e poemas. O tempo relativo correu que nem rio.


Passado alguns meses, uma vizinha, conhecida de minha mãe, comentou ter presenciado uma crise da dona Dolores. Segundo ela, a senhora chorava e dizia que a vida lhe era injusta, pois teimava em não levá-la. Fiquei realmente triste e pensativa naquele dia. Recordei ainda, que além do marido, ela perdeu um filho. Talvez, a maioria de nós, mulheres acredite que não há dor maior que a perca de um ser que geramos ou criamos. Para a boa velhinha, o pior de todos os castigos foi perder o marido, seu companheiro, o primeiro e único amor de sua longa vida.


Hoje, alguns anos depois, passo e continuo a admirar aquela pessoa forte. Os filhos raramente a visitam, sua companheira fixa é uma empregada. Ainda sinto o peso da solidão naqueles olhos que a todo custo tentam sobreviver ao dia após dia. As fotografias em seu apartamento são a fuga para um mundinho particular com direito a prosa e a uma boa cantoria, o que não passa dos arredores de um condomínio repleto de idosos, que a todo instante se vão. É comum presenciarmos na porta do bloco o enterro ou a missa de um deles.


Continuo a passar com meu “bom dia”, mais entusiasmado depois do convívio prolongado. O tempo para mim e a dona Dolores corre de forma diferenciada, um paradoxo não muito justo. Seus sorrisos não mais me enganam, apesar d'eu ficar feliz por ela ainda sorrir. Em sua residência, aos finais de tarde, a velhinha sempre aparece na janela à espera de uma convidada que se aproxima a cada por do sol. Eu, de longe, admiro enquanto posso os raios que brincam com cabeleira branca, uma bela composição artística.



2 comentários:

Anônimo disse...

As vezes, estamos tão apressados, que mal olhamos para o que nos cerca; foi um prazer conhecer Dona Dolores ... abraços Marco

Alê Quites disse...

Envelhecer para mim, às vezes, é assustador. Não por questão de "beleza física", mas por um mistério maior... Como e o quanto ganhamos com o tempo?!

Lindo texto. BeijOS