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21 de jul. de 2011

No parque


Eles em passos, em um dia agradavelmente ensolarado. Ela pé direito, asfalto; ele pé esquerdo, ladrilhos. Ela  vide bula, ele encarando o mundo. Ela preto no branco, lenço no cabelo, saia tulipa e atitudes blasé. Ele em vermelho, calça folgada e, talvez, romântico. Ela gostava de gatos, ele nem comia espetos. Ele tomava vitaminas pela manhã, ela não suportava café. Ela enxergava o mundo através de lentes grande angular, ele era míope. Ela estudava a noite, ele trabalhava durante a tarde. Ela era simpatizante de Nietzsche, ele ouvia Chico Buarque.

Eles de folga, era sábado. Ela chegou no parque ao norte, ele entrou ao sul. Ele de tênis verde, atitudes apressadas; ela de sapatilha lilás e meia calça.

Eles no centro do parque. Ele no banco direito, ela no esquerdo- lado a lado. TEMPO- a brisa corre e os pássaros cantam. Ela é atenta à movimentação, ele está em pensamentos. Eles se olham pela primeira vez- IMPRESSÃO. Ela acha que o garoto ao lado tem olhos encantadores. Ele, a princípio, visualiza apenas uma boca desproporcionalmente grande. Ela não gosta do cabelo comprido do loiro ao lado; ele acredita atrativos os dedos delicados daquela ruiva. Eles se encaram e não veem contorno, viram o rosto em oposição. Ela enxerga o mundo em variáveis, ele vê apenas o preto e o branco. Eles se levantam em sincronia. Ela vai para o esquerdo, ele para o direito. Cruzam-se. Os pés são simultâneos. Um passo, quatro passos, três segundos do relógio e a vida toda para o desencontro. Deles nem passou pela cabeça combinação, mas gostavam de batata doce.

9 de jul. de 2011

Em caixa alta e negrito


-Dês....Tê!- falou apontando

-Dês... dro...- Respirou fundo, a fim de aliviar as palavras. Soprou o nada, em um muxoxo, desistiu de algo e agitou as mãos. Pausadamente começou qualquer outra fala que, para os de fora, parecia qualquer outra incongruência:

-Tra...tre...tri...tro...tru- puxou o ar, pensou em lhufas, recordou a fonodióloga abrindo e fechando sua boca de peixe. Aquela era a hora de mal dizer o exercício que mais lhe lembrava uma metralhadora. Teve vontade de fazer um gesto obsceno, mas os dedos rangiam e pediam descanso.

Olhou para os estúpidos que tentavam predizer o seu não dizer, como em um jogo de mímica. Arranhou a pele em um sinal de asco pela sua velhice. Deu pausa... pausa... pausa... pausa... Empenhando força, em uma expressão que parecia que lhe rasgariam as rugas, quase gritou:

-Dês...li a DROGA d... Tê-Vê

O som saiu esganiçado e rouco, no entanto, foi o suficiente para os mais animados com o jogo mandarem a doce velhinha sentar no sofá.