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24 de out. de 2010

Bicicletas, bolos e outras alegrias


Vá Didi, vá comprar leite e açúcar
No mercadinho que é mais perto
Quer bolo de fubá, mas não ajuda
Vá de bicicleta, de bicicleta (2x)

Simpatia contra dispersão
Rejeição, desilusão
Sete ervas dos bons caminhos
Arruda ajuda
Quem disse que faniquito não cura?
Quem disse que açúcar e afeto não podem curar?

Vá Didi, vá comprar leite e açúcar
No mercadinho que é mais perto
Quer bolo de fubá, mas não ajuda
Vá de bicicleta, de bicicleta (2x)

Vó dizia que era perfeição, tradição e evolução
Era o bolo que todos gostavam do Flamengo ao Corinthians
E a molecada espalhada voltava
Tinha o dom de agregar quem brigava
Traz amor em três dias, ou o seu dinheiro de volta
Simpatia contra dispersão
Rejeição, desilusão
Sete ervas dos bons caminhos
Arruda ajuda

21 de out. de 2010

Toneladas de algo

Dali Atomicus (1948) por Philippe Halsman


Eu estou cansada, sabe?? Sabe... pelo tédio estou quase abocanhando uma cebola acompanhada por um bom conhaque- às vezes é preciso ter um desmaio, uma boa perda repentina da consciência. Ontem comi corações no espeto, estavam mal passados, sentir o gosto do sangue demorou em me reanimar, mas as galinhas cantando no céu da minha boca quase me levaram a dançar um tango.Ultimamente vomito toneladas de algo, é provável que a culpa seja das malditas mentiras em cápsula indicadas pelo médico. Tenho evitado falar sobre nós (eu), faz parte desse mesmo tratamento, por isso tapo a boca com pedras e farinha para que as palavras não escapem pelas brechas, assim elas retornam à bexiga. No celular há lembretes para que eu recorde que é preciso respirar, conto 1, 2, 3, perco-me no 4 e quando vejo já me engasguei com a fumaça. “Respirar, pular/ pular, respirar, não esquecer de movimentar esse corpo robótico”. Com essa maldita gripe, sexualmente transmitida, fica ainda mais difícil manter o equilíbrio dessa casca que a todo instante funga. Nessa terra seca, molhada apenas entre as pernas, só me restam os devaneios. Ontem eu sonhei que abandonava tudo e casava com a solidão, ela cantava em meu ouvido: rebolem, micos, rebolem pagando mico. Foi amor ao primeiro sonho, quase arrumei a mala e fui fotografar o Azerbaijão.


Ilana Copque


Moro no segundo andar, mas nunca encontrei você na escada

Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas.

Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão.

No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo esta sede. Para olhar seus olhos que não adivinho castanhos nem verdes nem azuis e dizer assim: que longa e áspera sede, meu amor. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo e tanto medo. Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um Caminho. Esse, simples mas proibido agora: o de tocar no outro. Querer um futuro só porque você estará lá, meu amor. O caminho de encontrar num outro humano o mais humilde de nós. Então direi da boca luminosa de ilusão: te amo tanto. E te beijarei fundo molhado, em puro engano de instantes enganosos transitórios - que importa?(Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano, mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio - viria? virá? - e minto não, já não preciso.) Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço.

Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã.



(Caio Fernando Abreu - Crônica publicada no “Estadão” Caderno 2 de 29/07/87)

20 de out. de 2010

Sobre um dia quente

“38 graus? 40 graus?” Naquele dia insuportavelmente acalorado, aquela figura, como várias outras figuras naquela hora, naquela cidade, perguntava-se a quanto ia a temperatura. Deitada sobre a cama, com um vestido salpicado por gotículas de suor e suspenso para além das coxas, a morena tentava se concentrar na leitura do jornaleco da igreja. Da janela do seu quarto de paredes bege provinha apenas claridade, nada de vento, por isso a cortina permanecia fechada a fim de bloquear os raios solares. O ambiente ganhava a tonalidade alaranjada do tecido que cobria a enorme vidraça, os objetos transpiravam diante do tom avermelhado. Como era domingo, todos da casa haviam saído para aproveitar o dia. Naquele cubículo ouvia-se apenas o ventilador, o jornal sendo manuseado e as moscas que disputavam a carne suada ali estendida. A mão da moça dançava pelas pernas, braços e busto, as unhas prensavam água salgada e epiderme na tentativa de afastar os insetos indesejados. A brisa que circulava no quarto era quente e seca, nem o balde com água, ao lado da cama, amenizava a sensação de abafamento. Em menos de dois minutos, sempre com o espécime de livreto em mãos, a figura havia trocado de posição seis, talvez sete vezes. O silêncio preenchia a casa causando certo desconforto naquela que já estava desconfortável. Cansada de tentar manter a concentração na leitura sobre o papa, o bispo, o padre ou qualquer outra personalidade católica, ela largou o jornal no criado mudo, por cima da imagem de um santo qualquer que sua mãe insistia em deixar no seu quarto. Em um ato de impaciência a garota arrancou a vestimenta azul de corte recatado. Apenas de calcinha, deitou de cara para o ventilador e se rendeu ao calor, a secura, ao sufoco de um dia mais quente que o inferno.


Ilana Copque

15 de out. de 2010

Isso, aquilo e outras coisas



"Tenho de ter paciência para não me perder dentro de mim:
vivo me perdendo de vista.
Preciso de paciência porque sou vários caminhos,
inclusive o fatal beco sem saída."

Clarice Lispector



9 de out. de 2010

Ando...


Eu ando...
Ando entre o agonizado e o agonizante
Ando dando vexame
Prolifero essa minha agonia através dos poros da pele salpicada pelo sol

Ando...
Ando com as pernas,
Mas quando me interessa,
Vasculho esse imaginário andando pelo teu corpo com as mãos

Ando...
Ando pra baixo
Ando de carro, carroça e trem
Ando me apaixonando 3x ao dia
Ando sorrindo/ mentindo

Ando...
Delirando!


Ilana Copque

6 de out. de 2010

Loucura

Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria uma outra forma de loucura. Necessariamente porque o dualismo existencial torna sua situação impossível, um dilema torturante. Louco porque tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é procurar negar e superar sua sorte grotesca. Literalmente entrega-se a um esquecimento cego através de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão distantes da realidade de sua condição que são formas de loucura - loucura assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e dignificada, mas de qualquer maneira loucura.


Ernest Becker, A negação da morte

5 de out. de 2010

Eu




Eu queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim

Quando acontece um grande amor
Assim como você e eu
O tempo passa por nós dois
Não lembro o que aconteceu

Queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim

Mas nem por isso eu vou ficar
A questionar os erros meus
Você precisa procurar
Achar o que você perdeu

Queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim

Eu queria tanto encontrar
Uma pessoa como eu
A quem eu possa confessar
Alguma coisa sobre mim

2 de out. de 2010

Não me interessam...



"Não consigo mais aceitar relações pela metade.
Em outras palavras, raspas e restos não me interessam."


Caio F. Abreu

1 de out. de 2010

Vera Prima


Setembro foi embora e mais que nunca é primavera