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Lá estava eu, distraída, fotografando nem lembro mais o que. Loly entrou no meu caminho fazendo diversas poses. Difícil resistir. A iniciativa com certeza não partiu de mim. Ela tem vontade própria.
Éramos sete, sobreviveram cinco. De vez em quando voltavamos a ser um número par, acabavam os trabalhos, éramos impar novamente. No terceiro semestre, como não menos poderia ser: três, voltamos a ser seis, meu número da sorte. Em meio a discussões de relação, e trabalhos que levavam todo o nosso tempo, menos o apetite, sobrevivemos e sobrevivemos. Nas reuniões descontraídas, o que incluía nossos “agregados”, eu nunca ouvi tanta besteirol, nem tanto sangue jorrar dos cortes feitos pelas línguas afiadas. Na hora de pagar a conta, como perfeitos futuros jornalistas, levavamos todo tempo do mundo para rachar o prejuízo. É a comunicação... é a comunicação.
O calor encolheu o meu cérebro, enxugou a minha roupa, e queimou o meu bom senso. Quantos graus acima para chegar ao inferno? O céu está azul, o rio é anil, a serpente corre, rasteja. Eu aqui, impregnada de suor, imponho a minha música, imponho aquela música, grito ao som da música.
©Imagem da internet
Ela tentou se olhar de todos os ângulos do espelho, mas todos aquelas direções ainda não eram todas as direções possíveis. Ela se olhou por si mesma, do pescoço para baixo, e a imagem que viu não era a mesma do artefato preso na parede do seu quarto. Encarou-se um pouco mais, ainda assim não conseguia reparar aquilo que todos comentavam. Chegou a conclusão que poderia ser a roupa a responsável por aquele camuflar visual. E lá estava ela, nua e insegura de si, enfrentando seus fantasmas e criando suas próprias perspectivas. Frustrada, por não alcançar conclusão alguma, em um ato desesperado retirou todos os espelhos da casa e os reuniu na caixa abafada que era o seu quarto. Quase conversou com as garotas refletidas, quase. Era ela demais para o seu gosto, mas ainda assim não era ela.
Eu moro no mesmo prédio em Salvador há cinco anos. Nesse meio tempo, o som que por vezes embalou minhas tardes e atrapalhou o meu sono, foi o de um saxofone. Creio que acompanhei a rotina de desenvolvimento do artista, que ainda hoje toca o instrumento. Suponho que seja um rapaz, não tenho certeza, mas também não há uma razão específica para tal pensamento, é apenas o que gosto de imaginar, um jogo sem sentido. Talvez eu siga a mesma linha de raciocínio para os nome das músicas: a maioria não tenho nem noção de onde saiu e, para torná-las mais intimas, dou-lhes apelidos. Énessa hora que penso em quem as toca, nada que me faça perder o sono.
Nem sempre admirei o som desafinado que, sem pedir licença adentrava o apartamento. Quando eu estava fazendo algo, a “zuada” me deixava inquieta. Nessa época, o rapaz certamente havia acabado de adquirir o instrumento, e eu, impaciente, não via a hora dele terminar o ensaio ou pagar uma hora em um estúdio. Hoje, de passagem pela minha terra natal, sinto falta até do cheiro de mar, mesmo ainda evitando as praias. Sozinha em casa e rodeada pelo silêncio, gosto da intromissão produzida pelo saxofonista, agora ele merece o título. O som e o tom me fazem bem, embalam meus saudosos fins de tarde.